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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A história do homem que passou 41 anos na solitária nos EUA

A libertação do prisioneiro americano Herman Wallace, que permaneceu 41 anos em confinamento solitário nos EUA, reacendeu a polêmica sobre a adoção desse tipo de pena no sistema carcerário do país.

Condenado no início dos anos 70 por homicídio, Wallace, um ex-integrante do Partido dos Panteras Negras, que lutava pelos direitos dos negros americanos principalmente nas décadas de 1960 e 1970, passou as últimas quatro décadas confinado em um espaço de menos de seis metros quadrados.

Durante o período, ele só saía para o banho de sol e era impedido de conviver com os demais presos.

Na manhã da última terça-feira, Wallace ouviu da maca de um hospital penitenciário, onde tratava um câncer no fígado, a notícia de que um juiz havia revertido sua condenação - e ficou compreensivelmente cético.

"Eu disse, 'Herman, você é um homem livre", contou Carine Williams, advogada do ex-prisioneiro.

"Ele disse, 'Não, eu não sou. Sei onde estou'", acrescentou ela. Wallace olhou ao redor e identificou a sala na prisão.

Naquele dia, ele manteve a compostura. É uma técnica de sobrevivência que ele aperfeiçoou ao longo de décadas de prisão.

Wallace foi liberado - e levado para um hospital comum.

'23 horas por dia'

Ele cumpria pena por homicídio na Penitenciária de Angola, no Estado da Louisiana. Ele e outro preso, Albert Woodfox, foram condenados à morte por esfaqueamento de um guarda prisional, Brent Miller, em abril de 1972.

Wallace foi colocado em isolamento - primeiro em Angola e, depois, em Saint Gabriel, um castigo que "devora vítimas incessantemente e sem piedade", pelo menos de acordo com Alexis de Tocqueville, autor de Da Democracia na América (1835), uma das obras que melhor retratam o sistema político adotado pelos EUA.

Mais de 81 mil prisioneiros são mantidos em confinamento solitário nos EUA, disse o senador Richard Durbin, em uma audiência em junho de 2012, citando um relatório do Gabinete de Estatísticas da Justiça do país.

Muitos deles são colocados na solitária por terem atacado ou matado outro detento ou um guarda. Outros porque são membros de gangues - e considerados perigosos.

Segundo o professor Craig Haney, da Universidade da Califórnia, presos em confinamento solitário são mantidos em suas celas "em média, 23 horas por dia".

Sem afeto

"Presos passam anos - em alguns casos, décadas - sem tocar outro ser humano com afeto", disse ele. "O vazio e a ociosidade que permeiam as unidades de confinamento solitário são profundos e envolventes."

Alguns prisioneiros em confinamento solitário cometem suicídio. Outros se autoflagelam. Haney relembra o caso de um homem no Novo México que "usou uma agulha improvisada e a linha de sua fronha para costurar a boca e fechá-la completamente".

No verão passado, 30 mil prisioneiros da Califórnia iniciaram uma greve de fome para protestar contra a solitária. Legisladores estaduais disseram que analisariam a questão - e a greve foi cancelada.

Anos atrás, os presos na prisão de Angola reagiram com um misto de raiva e angústia à forma como Wallace e outros prisioneiros eram tratados em suas celas isoladas.

Wilbert Rideau, que estava preso naquela ocasião, disse: "Nós sabíamos que havia um lugar chamado CCR", acrônimo para 'Centro de Confinamento Restrito', o lugar onde foram trancados Wallace e outros detentos.

"Nós simplesmente não sabemos por quanto tempo eles ficaram lá", diz Rideau.

'Casa de Herman'

Após pesquisas, Rideau, que atua como editor da revista The Angolite, que circula na própria prisão, descobriu que Wallace ficou isolado por mais de 15 anos.

O levantamento resultou em uma reportagem sobre o caso de Wallace e de outros presos em confinamento solitário.

Até aquele momento, Wallace e os outros homens na solitária eram basicamente "desconhecidos pelo mundo", diz Rideau, autor de um livro de memórias, O Lugar da Justiça. Wallace disse a um de seus advogados, George Kendall, que "esta é a coisa mais cruel que um homem pode fazer a outro."

Em uma cela com menos de seis metros quadrados, Wallace ficou em forma fazendo levantamento de pesos que ele construiu com jornais velhos. Também leu obras sobre os Panteras Negras e qualquer outra coisa que caía em suas mãos.

"Eu dizia: 'O que está acontecendo no Oriente Médio?" e ele dizia: 'OK, de qual país que você quer falar?' ", lembra Kendall.

Wallace respondia a cartas - ele tem um fluxo constante de correspondências - e trabalhou em sua apelação. "Este homem é o Muhammad Ali do sistema de justiça criminal. Ele não desiste", diz Carine.

De acordo com muitos relatos, as provas contra Wallace e o outro preso eram fracas. Eles não deixaram impressões digitais no local onde Miller foi morto, por exemplo. Mesmo a viúva de Miller, Teenie Verret, disse ter dúvidas sobre o processo contra eles - e esperava que fossem tratados de forma justa.

"Se eles não cometeram o crime, acho que eles precisam sair", disse ela à NBC Nightly News, em março de 2008.

Fraqueza

Nas últimas semanas, Wallace começou a se sentir cada vez mais fraco. Quando Kendall foi visitá-lo na clínica médica, ele notou uma pilha de oito centímetros de cartas sobre uma bandeja de comida.

"Ele disse, 'Eu preciso respondê-las." Ele se sentiu muito mal com isso", diz Kendall.

Na terça-feira à noite, a advogada Carine subiu com ele em uma ambulância e foi até os limites da prisão. Ela disse que ele iria sair - e que iria revê-lo mais tarde, naquela noite.

"Eu perguntei 'Você está bem?' Ele disse, 'Estou. Apenas me tire daqui."

Ele foi levado para um pronto-socorro do hospital universitário local, em Nova Orleans. Àquela altura, mal conseguia falar. "Você podia vê-lo lutando", diz Carine. "Cada palavra era preciosa."

Ele tinha algo a dizer, no entanto. "Ele disse, 'eu sou livre'", lembra ela. "Ele disse novamente três ou quatro vezes."
Fonte: BBC
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